Parágrafos iniciais do artigo “O sistema de notação musical de Jean-Jacques Rousseau”, publicado na Revista DoisPontos:, v. 16, n°1 (UFPR/UFSCar), agosto de 2019.
A música foi um tema caro a Rousseau. Como compositor, foi autor da ópera Les Muses Galantes (1743), do interlúdio pastoral Devin du Village (1752) e do melodrama Pygmalion (provavelmente 1762), além de uma série de fragmentos de ballet publicados postumamente. Como filósofo, atribuiu à música – mais precisamente, à melodia cantada – um papel de suma importância em sua obra, situando-a na origem da linguagem como elemento fundamental de toda a comunicação e, por conseguinte, de toda a sociabilidade humana. Como lexicógrafo, foi responsável por verbetes relativos à música na Encyclopédie, de Diderot e d’Alembert (1751-1772), além de ter produzido seu próprio Dictionnaire de Musique (1768). Como crítico e esteta musical, foi protagonista daquela que ficou conhecida como a querela dos bufões, que teve lugar quando da chegada a Paris, em 1752, de uma companhia italiana que apresentou La Serva Padrona, de Pergolesi, e desencadeou uma fervorosa discussão na corte entre os partidários da música italiana, essencialmente melódica, e os defensores da música francesa, predominantemente harmônica. Rousseau, notório simpatizante da música italiana e grande defensor da melodia como “a música por excelência”, encabeçou o primeiro grupo. Por fim, como teórico da música, o autor desenvolveu um novo sistema de notação musical, o qual visava superar os problemas que, segundo seu julgamento, estavam impregnados na notação tradicional.
Assim, um estudo que se propusesse a abarcar a totalidade de seu pensamento acerca da música teria de discutir um grande número de temas, por vezes conceitualmente distantes entre si, e de se estender sobre um volume gigantesco. Nessa perspectiva, o presente trabalho propõe-se a uma tarefa muito mais modesta: a de apresentar uma análise do sistema de notação musical de Rousseau, levando em conta os objetivos que o levaram ao desenvolvimento desse sistema, a fim de mensurar até que ponto os resultados alcançados fazem jus a esses objetivos.
Segundo Rousseau, o sistema de escrita empregado na música de sua época, o qual, com algumas poucas modificações, é o mesmo que se utiliza até hoje em grande parte da música ocidental, não havia acompanhado a evolução que a música sofrera desde o Renascimento e, sobretudo, a partir do século XVII . Logo no Prefácio de sua Dissertaion sur la Musique Moderne (1743), o autor deixa claro esse ponto de vista. “Todos concordam que os caracteres da música estão em um estado de imperfeição pouco proporcional ao progresso que fizemos nas outras partes dessa arte”. Consideremos aqui os principais elementos desse sistema a fim de, por comparação, entender de maneira mais completa a proposta rousseauniana.
Referências
BAUD-BOVY, S. 1974. Jean-Jacques Rousseau et la Musique Française. Revue de Musicologie, vol. 60, n° 1, p. 212-216.
BROMBERG, C. 2014. Le Classement de la Musique dans l’Oeuvre de Jean-Jacques Rousseau. Opus, vol. 20, n° 1, p. 55-70.
CANDÉ, R. 1978. Histoire Universelle de la Musique, 2 vols. Paris: Seuil.
__________. 1961. Dictionnaire de Musique. Gaillard: Microcosme.
CHARRAK, A. 2001. Rousseau et la Musique: passivité et activité dans l'agrément. Archives de Philosophie, vol. 64, n° 2, p. 325-342.
DAUPHIN, C. 2012. Le Devenir du Système de Notation Musicale de Jean-Jacques Rousseau. Orages, n° 11, p. 79-98.
__________. 1992. Rousseau Musicien des Lumières. Montréal: Louise Courteau.
FORTES, F. P. 2014a. Representação e Pensamento Musical. Salvador. 182 p. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Universidade Federal da Bahia.
__________. 2014b. Representação Estrutural da Música Tonal. Notae Philosophicae Scientiae Formalis, v. 3, n°. 1, p. 8-22.
KINZLER, C. 1979. Rameau et Rousseau: le choc de deux esthétiques. In: ROUSSEAU, J-J. Écrits sur la Musique. Paris: Stock, p. IX-LIV.
MAXHAM, R. E. 1976. The Contributions of Joseph Sauveur to Acoustics, vol. 1. Rochester. 169 p. Tese (Doutorado). Department of Musicology and History of Music. Eastman School of Music of the University of Rochester.
NOLL, G. 1960. Untersuchungen über die Musikerzieherische Bedeutung Jean-Jacques Rousseau und seiner Ideen. Berlin. 183 p. Tese (Doutorado). Abteilung Philosophie. Humboldt-Universität.
ROUSSEAU, J-J. 2012. Oeuvres Complètes, édition thématique du tricentenaire, vols. XII-XIII. Genève: Éditions Slatkine / Paris: Éditions Champion.
VERBA, C. 1989. Jean-Jacques Rousseau: radical and traditional views in his Dictionnaire de Musique. The Journal of Musicology, vol. 7, n° 3, p. 308-326. Jun/Set.
WARDHAUGH, B. 2008. Music, Experiment and Mathematics in England, 1653-1705. New York: Routledge.
Nenhum comentário:
Postar um comentário